quinta-feira, 28 de abril de 2016

fábrica

um verso ao mendigo que passa
um pano velho para a velha traça
uma maçã na boca louca e vermelha de Eva
uma triste treva na face da luz
ou a melancolia da poesia do rio Iguaçu
ou o viciado e sua agulha
ou o prisioneiro e sua culpa
ou o andarilho e seu andar sem paradeiro
um pedreiro a construir casas
(nada parecidas com a sua ! )
um homem a criar asa e voar até o inferno
um pedaço de vida morta que as hienas comem
um interno de bom hospício cuspindo
baratas vivas na parede
ou a sede agigantando garganta
na rotina seca
ou a felina mão de uma menina sugando
veneno de um menino
ou o assustado grito de um avião a vomitar bombas
ou acidentes de carro na BR-3
como um hino sombrio de mortes velozes
tudo isso naufraga em meu oceano
e lá nas profundezas
tudo confunde minhas certezas
elabora embolorado entendimento
cimento
a
unir
os
versos
e
fabricar
mais
um
poema
 
sexo e veneno

poesia visceral
de homem anormal
poesia confessional
de homem obcecado 
por sexo e veneno
eu teimo em recordar
putas de 97
Vera
a professora de história
trabalhei bem 
ela me chupava antes das provas de física
gozei em sua boca
dezenas de vezes
ele me chupava com a compaixão de uma santa
havia também a mulher embriagada
toda vestida de preto
no Café Matisse em Florianópolis
eu disse:
"vamos ao seu apartamento
eu invento uma nova lady para você
uma lady despudorada
subiremos pelas paredes
pelados e supremos"
trabalhei bem
gozei dentro
ela
assustada
correu ao banheiro
ligou o chuveiro
pensou na maldição do seu gesto
depois fiz verso
e fui embora
nunca mais a vi
muitas putas e muito veneno em 97
viagens de LSD
na lagoa da Conceição
eu e duas loucas perdidas por tamanha emoção
elas vendiam
LSD
tocavam música folk no violão
gostavam da poesia de Bukowski
gostavam de orgia
eu trabalhava bem
ora com uma
ora com outra
me sentia serpente na casa do amor
me sentia dragão abençoado com sopro maldito
observava a dança das folhas ao vento
observava o voo sonoro da borboleta caindo
havia muita loucura naquele tempo
havia uma dama de 42 anos apaixonada
por minha demência
por minha ausência
de censura
por nunca estar ausente
(estava em todos os bares
todos os lugares
sempre)
somente tinha 22
e trabalhava bem
nessa dama de 42
havia mais
havia Lola
pedaço de morena feita de aço
ninfomaníaca enlouquecida por inseticida
vivia matando baratas
parecia ter saído de um livro de 
William Burroughs
gostava calorosamente de sexo oral
adorava chupar um pau
eu não achava nada mau
gostava de andar nua pela casa
sempre com spray à mão
matando percevejo
hoje
vejo
que todo esse sexo e veneno
não tornou meu mundo sujo ou pequeno
há enriquecimento para mente
como este aumento
de volúpia no corpo
há enriquecimento para o corpo
com entorpecimento da mente 
assim diz minha profecia:
não há cansaço nos olhos embriagados
a contemplar o entardecer
uma pupila a crescer fortalece
a libido do poeta
e
nos
ensina
a
ver
o
crepúsculo
com
novos
músculos

i'm waiting

estou esperando
um contínuo carnaval
de piranhas e rock
movidos a drops
de libertinagem
seja no
Rio
Bahia
ou
Pernambuco
não rezo
a Maria
nem a
Paulo Coelho
prefiro me idolatrar no espelho
estou esperando
o dia da saída no hospício moreno
o dia embriagado e pleno
nas notícias do rádio
de sangue
homicídio e estupro
talvez entre para a Cruz Vermelha
talvez espere uma inspiração
uma centelha
entre a Matos Costa e a Prudente de Morais
na encarnação do lambari do Rio Iguaçu
na observação dos gestos antigos de Alcides Fernandes
ou no basquete de Cordovan Frederico de Mello Júnior
estou esperando
olhando os lances na mesa de bilhar
no bar do falecido Altamiro
percebo também as perninhas delicadinhas
das adolescentes na avenida
meio sem jeito
meio sem vida
sou planície
bate em mim vento suave
sou silêncio
bate em mim uma palavra
sou lago
deita em meus ombros uma dama
sou relâmpago
anuncio raios a quem me ama
estou esperando
o dia em que comprarei bolachas no supermercado
somente com minha boa aparência
não confio na ciência
não confio na democracia
não tenho latas de óleo de soja em minha despensa
não tenho
microondas
DVD
computador
tenho asco da febre e da umidade
sou aventura
assim sendo tudo me tortura na cidade
sou montanha
de pássaros mortos e roedores
ensanguentados pelos corredores da floresta
tenho asco da FM Verde Vale
e da AM Educadora
estou esperando
as portas do maravilhoso se abrirem
para que minhas bolas não adormeçam
enquanto o TESÃO do século não vem
não estou  aberto a novos relacionamentos
nem os dos prostíbulos
seja a Drink's ou na antiga casa de Jorge Schwartz
gosto mesmo é de andar no teto
confabular com as moscas e
outros insetos
sou palácio
minhas portas escondem um mundo de janelas tristes
meu palpite
é que vou continuar a olhar
os lances na mesa de bilhar
estou esperando
que a América Latina se refaça
estou esperando
Sarney ser despedido da Academia Brasileira de Letras
estou esperando
um bom livro para se ler as seis da manhã
estou esperando
o salto da rã
 pura ironia

de resto
sou protesto
manifesto
eu peço
me despeço
não rezo
meu endereço não é rendição
não mereço o acorde suave do violão
gosto da guitarra punk
que desbanque
a amarra servil
na flor lilás
do meu país
por isso
não desisto
do poema dejeto
como podridão largada no ralo do esgoto
eu navego no esgoto
uso jeans roto
mesmo morto faria tudo de novo
vespa teimosa a picar inimigo
mesmo despida de abrigo
touro irritado com o vermelho do pano
o mouro tem escuridão nos olhos
enxerga com clareza a necessidade
de pilhar a cidade com destreza
de resto
o sexo
o nexo
são a certeza
da ovelha negra
bandida Tereza
no monte fúnebre do amor
não mãos
tenho febre
chuva
relâmpago
de resto
sou
protesto
o brilho do sol

meu amor
ela foi
de olhos azuis
em almofadas
rubras
 detalhes do pôr do sol
ela
cores esbanja
nome
Joana
sobrenome
Corona
aos trinta e um a morte a pegou
como quem pega uma carona
e de jeito nenhum
acreditei nos ventos e nos suspiros
das notícias do jornal
dos parentes de dor sem igual
ó meu encanto
em seus sonhos eu anunciava
o meu canto de regresso
ó meu paraíso
em teus seios eu ensaiava meu verso
de sombra e descanso
agora
canto
a inocência da prostituta
embora sinta a demência
da calamidade da sua ausência
ela se foi
ouçam
meu amor
sem olhos de pavor
artista e escritora
editora e jogadora
ó meu pranto
Joana
se deve à vazia cama
juntos na relva
engolíamos penhascos
ó pornografia
de passados anos
em padaria
com cerveja  aos grandes goles
em feitiçaria
de olhos insanos
nós ciganos
iremos novamente
caçar e pescar
nos lagos e bosques da juventude
pois atitude é lençol e fogo
e dela ainda tenho 
a tempestade da recordação
na cidade
no coração
beijo
em cada esquina
os cabelos da luxúria de minha menina 
Joana
vida breve
como presa na boca do coiote
vida entregue
como vela acesa na boca do serrote

um canto

cantei hinos ao além
não sei se fiz bem
mas o perfume da lua
é ciúme
do sol
e na rua afinei meu violão em lá bemol
cantei sobre o armazém
sobre os meninos
pensando que alguém poderia me alcançar
fui devagar para esconder de ti o brilho do amor
cantei minha prece com louvor
nada arrefece o ritmo suculento do vento
mas o cão a ladrar não rouba minha paixão
e a tempestade tem inveja triste da bonança
cantei a insegurança do século
avancei contra o fogo perpétuo
minha mística maculada milagrosa canção
entreguei a quem sabe mastigar o amarelo do ouro
enfim 
garota
das guerras preservo as trevas
dos desejos preservo o anseio do teu seio
não foi por medo que renunciei à música
nem foi você minha única
enfim
garota
cantei
 
quando

quando
não durmo
faço poema
quando
não faço poema
durmo
noturnos
são os meus versos
diurnos são meus sonhos
toda minha caligrafia é prostituta
pois minha atrofia não é vespertina
pois minha escrita é libertina
toda minha poesia é flor em brasa
como anjo de asa decepada
como surrada vagina de menina
atrofiada
quando
durmo
o sol grita
quando
faço
poema
a lua uiva
digo aleluia ao diabo
assim acendo o cigarro
escarro nas portas santas
envio mantras
ao poente mais
descrente
nascente é a noite
o belo da rima é o coice
coices de amor
verdadeiros ataques ao pudor
quando
acordo
não concordo
com à vida
quando
acordo
somente
despedida
o poema

o poema
grita
pede atenção
pede conselho
pede ajuda
e muda
seu mudo
papel
no papel
em branco
o poema
pede encanto
pede harmonia
pede sabedoria
na sua filosofia
de águia pedestre
não há o que preste
em sua datilografia
mesmo na ousadia
de vencer o branco do papel
com pitadas lacrimosas de mel
o poema
pede socorro
pede alívio
pede comprimido
por ter ido longe demais
e não ter conseguido
encontrar abrigo
por ter ido atrás de quem não devia
teimosia
do poeta perdido
ao
procurar
verso
enegrecido

quarta-feira, 27 de abril de 2016

atrapalhado

minha vida é uma sucessão de trapalhadas
aos onze ou doze anos
mergulhado nas chamas de um verão pegajoso
subi no bidê do banheiro
(onde mais ele iria estar?)
ele era de um verde cintilante
(lembro bem!)
esta escalada estava destinada a ser uma catástrofe
queria apenas ver através da janelinha
as longas e imponentes pernas de minha vizinha
o que eu não contava era que aquele maldito bidê
estava colado ao chão
como raízes de árvores encaloradas
num pântano de vômito e lágrimas
me ergo na ponta dos pés
para melhor deliciar a visão daquelas pernas
(que jamais esqueci)
sinto o cambalear do maldito bidê
em instantes ele desaba
morto de cansaço
para um lado
(não lembro qual)
eu desabo em seguida
com o pau na mão
e já percebo uma grande fratura no maldito bidê
e mais
o cano que o ligava à parede
se dilacerou
um jato d'água ruidoso e raivoso
inundou o banheiro
não sabendo o que fazer
sentei no vaso com o pau desfalecido e guardado
e não consegui pensar em nenhuma
grande explicação
então minha mãe abre a porta
arregala os seus já grandes olhos negros
e grita
como uma fera em um salto sonoro
olhando ora para o maldito bidê despedaçado
ora para a avalanche d'água
ora para minha insignificante pessoa
(amedrontada e sentada num vaso também verde cintilante)
chega meu pai e diz:
"piá só faz merda!"
olha para minha mãe incrédula
e lhe diz para rapidamente fechar o registro da água
que já começava a invadir o resto da casa
eu queria fugir dali
me esconder por décadas
(não sabia aonde)
pensei que um bom esconderijo seria
entre as pernas deliciosas da minha vizinha
(eu lembro desse pensamento com a nitidez com que 
hoje disseco flores com um estilete)
mas não havia como fugir
e veio o triste interrogatório
a evidente questão a borbulhar
no cérebro dos meus pais
"como você fez isso"
minha boca estava lacrada pela cola da vergonha
(difícil admitir que estava inspecionando pernas com o pau duro na mão)
eles concluíram rapidamente
que subi no maldito bidê
"por que?"
o que lembro é que inventei uma história descabida
eles experientes diante da mentira adolescente
me enviaram ao quarto
trataram de arrumar aquela confusão
e minha mãe com sua fala nervosa
ficou esbravejando ao céu por um longo mês
o preço de um maldito bidê novo
(ainda mais verde cintilante!)
hoje
ao escrever isso
percebo
a culpa de tudo
não foi o maldito bidê
foram as pernas libidinosas da vizinha
elas é que eram malditas
chego à conclusão
foi este o primeiro
(de infinitos)
problemas
que aconteceram em minha vida
por
causa
de
uma
mulher

a menina

mais solitário
que um canário
sem esposa
vago pela casa vazia
noite e dia
fiapos de sangue
escorrem pelo
canto da boca
mato uma malvada aranha
converso com uma
barata falecida
minha vida se tornou
uma piada de mau gosto
escapando pela saliva
de um bêbado morto
mas ainda há uma tentativa!
sinto seu perfume dançando no ar
talvez ainda haja
tempo de espancar
a tristeza que habita meus
olhos
orelhas
mãos
pernas
esôfago
fígado
pulmão
ah!  o pulmão!
entupido de de 22 anos de nicotina
fui ao médico e ele disse
se eu continuar assim
vou morrer em breve
eu disse:(aos gritos)
"deixe que a vida me leve
como folha de jornal velho
sacudida pelo vento"
e abandonei o consultório
batendo a porta
e acendi um cigarro
quando encontrei a esquina
e vi uma menina
com andar meigo
cabelo negro esvoaçante
pernas carinhosas
e esses médicos
dizem que a felicidade
está dentro da pílulas
a felicidade está
num passeio de mãos dadas
com essa menina!
os livros que leio
me ensinaram
trocaria toda essa pose
de poeta solitário com
livro publicado
um blog com
3000 visualizações
por arranhões
no pescoço
por um bom dia
festivo
por um
sorriso
diante de uma limonada
numa tarde quente de dezembro
eu faria
como eu faria uma limonada
para aquela
menina
que passou
e nem
me
olhou

Joana

havia algo de estranho no mundo naquele dia
eu a encontrei na porta de entrada do prédio da UFPR
sentia que nunca mais olharia dentro dos seus olhos
não lembro exatamente qual foi o dia
(pudera estava fumando umas 400 gramas de maconha
por mês   naquela época)
acho que foi por outubro ou novembro do fatídico ano de 2004
ela estava esplendorosa
com seus radiantes olhos celestes engolindo os meus
vestia seus vestidos curtos
chinelos hypiies
colares indígenas 
anéis coloridos
e
pulseiras também hypiies
me recordo muito bem de tudo isso
é como um ferro em brasa marcando
minha consciência com sua imagem
ela trazia à mão um livro de poemas de
Manuel de Barros
perguntei se tinha tinha lido os livros de 
Annais Ninn
que lhe havia indicado
ela respondeu que sim
e gostou
falei para ler o 
Trópico de Câncer
de
Henry Miller
a trilogia obscena de
Hilda Hilst
nós ficamos ali paralisados
ela continuava me engolindo com seus olhos
o nosso caso de amor paralelo ao meu casamento
 estava morto
acho que há uns dez meses 
eu não consigo lembro por que!
não consigo aceitar que escolhi a mulher errada!
não consigo entender que mesmo sabendo do erro
escolhi torná-la minha amante
e não enfiar um pé no rabo da minha mulher
enquanto conversávamos sobre literatura
ali de pé petrificados e entupidos de desejo
pensava
as mulheres são enigmáticas!
o enigma é que achou cômoda a situação de amante
porque não queria assumir compromisso sério
ao mesmo tempo
percebia seu corpo tremer
seus mamilos duros
sua vagina encharcada
assim nossa conversa se tornou
mero pano de fundo
para o drama
encenado naquele cantinho da universidade
este era o palco
a multidão que passava eram figurantes
não notavam a tensão sexual
os movimentos sensuais de nossos gestos
os olhos endereçados ao interior de cada um
buscando uma palavra para acabar com aquele silêncio
porque nossa conversa era um "silêncio a dois"
lutamos acho que por uma meia hora
que foi infinita
mas não conseguimos dizer nada do
que queríamos dizer um ao outro
esta é a última lembrança que tenho dela
ela se desviou de mim
logo se virou num olhar sorridente
e disse: "tchau   a gente se vê"
eu disse meio zonzo:"tchau   Joana"
mas sentia que era um amargo adeus
nunca mais a vi
saí de Curitiba naquele mesmo ano
e ela
foi cremada
em fevereiro de
2014
meu único verdadeiro amor
já escrevi dezenas de poemas dedicados à ela
e nada mudou
é como se ela estivesse aqui
ao meu lado
mas
distante
demais
para 
tocá-la

segunda-feira, 25 de abril de 2016

queimar e afogar

queimando-se na água
afogando-se na chama
sentado no sofá azul
admirado com o cruzar das
longas pernas de Betty
nas mãos o copo de whisky
entre os dedos o cigarro
e sua cortina de fumaça
em direção ao céu
lá fora pessoas cinzentas
indo pra lá e pra cá
não entendo o porque disso
pessoas em prédios
os prédios engolindo as pessoas
alguns fazem caminhada
ou correm depois das seis
(preocupados com a saúde!)
eu
fumo
bebo
ouço
Dominguinhos
e não tenho medo da morte
prefiro me enfiar entre as pernas
brancas de Betty
louco no sofá azul
arranco com os dentes sua calcinha molhada
ela sorri
derrama sua taça de vinho tinto em minhas costas
eu me afogo nesta chama
tropeço 
desabamos os dois no chão
damos risadas
nos amamos no tapete cheio de poeira
já é noite
ainda há alguns insanos
andando ou correndo na BR
(vã tentativa de controlar a vida)
enquanto outros
bêbados   mendigos
passam a garrafa de vinho barato de mão em mão
em meio aos ratos e as garrafas quebradas de um beco moribundo
talvez a verdade esteja com eles
me queimo na água
mergulho
saio ferido
olho novamente para Betty
ela está absorta
lendo uma revista de moda
olho para fora
vejo as árvores dos deuses
encarquilhadas como uma velha de noventa anos
vejo as adolescentezinhas e seus gritinhos
se contorcendo
como minhocas brotando da terra
me queimo na água
ela é muito pura
minha Betty não é nada pura
somente beleza
nada de pureza
escreva:
"a vida é absurda
afogar-se na chama
é delito sagrado
deve ser mantido
este enlace
entre
o
fazer nada
nada fazendo
e
como distração
ter à mão
um vermelho copo de whisky
um cigarro de filtro amarelo
e
uma
boa
puta"

silêncio por favor

não passo 
um dia
sequer
sem 
deixar rastro
de 
poema 
no asfalto
na estrada
que é essa
minha vida
incerta
sem
consciência
da doença
o doente
não é
doente
vaga por entre
a multidão
como um ser
sadio
deitado sobre o
vazio
de sua
própria
inocência
ser poeta é
possuir uma espécie
de dormência
enquanto todos
enlouquecem
aos 
gritos
seu
silêncio
é
poético
para minha querida ex-psicóloga

fiz terapia com vários psicólogos
todos seguidores de Carl Jung
o qual apesar de algumas boas ideias 
não me identifico nem um pouco
afinal ele mesmo diz que sua psicologia
é destinada aos problemas do homem cristão
não me incluo nesta turma
(estou introduzindo o assunto)
ele não tem relação com a psicologia
a relação é com a psicóloga chamada Shirley
ela já me conhecia
foi minha vizinha na infância
não lembrava de nada disso
o que houve foi uma incontrolável ânsia de possuir aquele corpo
ela falava
eu respondia
mas eu somente pensava naquele corpo!
à noite  ardia
afogado na fogueira do desejo
ela era casada
não ligava
após cada sessão
me masturbava
(como fera doente por fêmea no cio)
me masturbava por toda a semana
até o próximo encontro
em que ela muito falava
nada ouvia
imerso na observação daquela mulher
(pele branca coberta por cabelos negros
lábios repletos de carne vermelha)
imaginava aqueles lábios beijando a cabeça do meu pau
ela seguia discursando
às vezes levantava
idolatrava esses momentos
ela mostrava suas generosas pernas
atarraxadas dentro de uma calça jeans
aquela cintura fina dando origem àquele rabo enorme
e os peitos suculentos balançando
ao ritmo de suas passadas  lentas
esquecia de tudo
(realmente ela me curava de todos os problemas psicológicos!)
mas eu sabia
ela não estava ao meu alcance
certo dia
declarei a ela que me deixava excitado
ela  de face avermelhada
mostrou-se contrariada
falei que estava tendo problemas
com alguns traficantes
e iria matar a família inteira de um deles
(o que era verdade)
lá fora o sol das duas
me recordava que o melhor a fazer
era engolir uma cerveja gelada
ela cada vez ficava mais irritada
ficou de vez
quando disse que nessa família havia uma criança de colo
(iria executá-la também)
"não pode sobrar testemunhas"
eu disse
"mas um bebê?"
ela disse
"ele pode crescer e me matar!"
eu disse
"você é um marginal"
ela disse
e me dispensou meia-hora antes do fim do horário
eu achei bom
não aguentava mais desperdiçar tanto esperma no lençol 
(olhei para o sol e disse boa-tarde)
cheguei ao bar
olhei para o garçom e disse:
"acabei de perder uma mulher que nunca ia ter!
diante dessa escassez nada melhor que uma embriaguez!
desce uma!"
o garçom foi buscar minha bebida
sentia o vento afagar minha face
fiquei triste por Shirley e nossa desenlace
por trás dessa escrita devassa
há um poeta
na superfície
demente
no fundo
carente
(como toda a gente
perturbada do nosso tempo)
dei o primeiro gole
caiu uma lágrima
em minha camiseta
pensei
esqueça!
mas 
até
hoje
não 
esqueci
Shirley
irmandade

acordei
8
manhã
estava vivendo um sonho azul
fiz chá de hortelã
já perdi quase tudo nessa vida
mas tenho uma irmã
percebi
a madrugada desvirginou a noite
e deixou belo perfume no ar
bebi o chá
pensei em cantar
uma canção
a fazer adormecer
lágrimas no belo rosto de
Alessandra
Alessandra é minha irmã
acho   ela pode ser a única
pessoa a ir ao meu funeral
nada mau
para um solitário como eu
que enquanto escreve esses versos
lembra   nunca esqueceu
foi eterna criança enquanto viveu
ao lado de Alessandra
sabe
nunca foi
nunca será
um adulto
é criança
é irresponsável
gosto dessa andança
detesta trabalho
ordens
o grito furioso do despertador
a pressa dos pedestres na espera do mesmo amanhã
assim   irmã
desculpe se um dia lhe feri
com minha língua ferina
é que você cresceu
eu não
apesar de toda erudição
poesia
solidão
o que mais gosto nessa vida
é brincar
e somente sei brincar com você
somente você faz caírem lágrimas nesta página
a lágrima é sincera
a mente vasculha recordações
como redemoinhos de vento vasculham a poeira das estradas
não seguem caladas
minhas palavras
elas uivam
uivos de ébrio
elas gritam
gritos histéricos
...acho que vou fazer outro chá de hortelã
que começo de dia mais estranho!
não sei se a minha mente está sã
não se este poema foi somente
uma tentativa vã
porém descobri
aquele sonho azul
era um abraço
em
minha
irmã

o violão

ganhei de meu pai um
violão
o céu adquiriu nova cor
um azul de verão
em novo tom
comecei a pensar nos acordes de
Caetano Velozo
comecei a  pensar nas primeiras canções dos
Beatles
I wanna hold your hand
Help
Ticket to hide
And i love her
não sei
aprender a tocar um instrumento musical aos
40
depois de tanta infelicidade e divertimento
é como saciar a fome de semanas
caçando leões nas savanas
africanas
é como entregar
a mão
à uma cigana
cantarei meus poemas em
lá-bemol
avistando ao longe
o pôr-do-sol
convidando a lua
para um chá com bolachas
em minha solitária cozinha
é somente minha
essa satisfação
essa ansiedade
essa novidade
minha e de meus poucos leitores
quantos?
Machado de Assis
disse que escreveu
Memórias póstumas de Brás Cubas
em 1881
para quem sabe
cinco leitores
seu romance sobrevive até hoje
acho que esse poema
talvez não seja lido por ninguém
acho também que morrerei desconhecido
sem um vintém
acho que não haverá uma única
pessoa em meu funeral
somente os vermes me farão companhia
não ria querido leitor
se houver um...
acredito
algum dia
no futuro
descobrirão meus versos escritos aqui nessa cidade
terão a oportunidade de saber
fiquei feliz
ao ganhar um violão
farei aulas
aprenderei a tocar
melodias suaves
para embalar
meu próprio
e
poético
adormecer

sábado, 23 de abril de 2016

conversa amarga na mesa do bar

eu disse a ele:
"há uma solidão com garras de águia cravada nos ossos do mundo"
ele disse:
"até minhas putas andam tristes"
eu disse:
"o esgoto transborda das cloacas e invade nossas narinas"
ele disse:
"as formas femininas apodrecem nas casas cristãs"
eu disse:
"as manhãs de nosso tempo surgem assustadas
cuspindo fogo canceroso"
ele disse:
"minha mãe morreu deprimida
de tanto vomitar uma espuma esverdeada"
eu disse:
"e querem que eu escreva poemas açucarados
sobre crianças felizes brincando na praça!"
ele disse:
"e querem que eu abandone o vinho
(que me faz esquecer da vida)
para lembrar que eu não existo"
eu disse:
"e querem que eu seja engraçado
enquanto há um rio lodoso
de pânico ao meu lado"
ele disse:
"vamos ser irônicos!
vamos brindar à desgraça dos nossos dias!
jogar bilhar e queimar dinheiro
tornando alegre a vida das prostitutas!"
eu disse:
"vamos catar alguns mendigos no assoalho da cidade
levá-los ao prostíbulo
tornando alegre suas vidas imundas"
ele disse:
"vamos arrancar flores à beira do caminho
colocá-las sobre
nossas orelhas murchas
nas orelhas dos mendigos
nas orelhas das prostitutas
nas orelhas de todos esses órfãos
que vivem soterrados nos porões da humanidade
afinal   todos tem orelhas!"
eu disse:
"na verdade sufocada
estamos bêbados até as orelhas
não temos dinheiro algum
nem para o bilhar nem para queimar
nem para prostitutas   nem para mendigos
nem para pagar a porra dessa conta exorbitante!"
ele disse:
"o melhor é chamar a polícia e se entregar
os melhores estão na prisão!
levaremos as flores mortas para eles
pelo menos as flores das ruas solitárias e cheias de bocejo
são gratuitas!"
eu disse:
"vou escrever um poema sobre isso
em algum dia cansado..."
escrevi!

em homenagem às deusas egípcias

aturdido
pelo tédio a entrar nos
ouvidos
não encontro a paz nem
motivos
para a guerra
estendido
sobre a cama que me abraça e me sufoca
não sabendo se levanto   corro   e   grito
ou se escrevo a descrição do suspiro
que lembra o sussurro inquieto de uma velha árvore
quando sente o machado lacerar sua carne
opto pela angustiada poesia de abril
na qual os pássaros embriagados de sol
se arrebentam nas janelas do meu quarto
abro cortinas com a selvageria de quem
abre as pernas de uma puta histérica
a rua está tão deserta quanto
o coração de um caçador solitário na África
lembro que ontem
inebriado do cansaço das 24 horas em estado de vigília
acompanhou minha viagem de ônibus   
uma elegante deusa egípcia
sentei no banco atrás dela
com a mente cuspindo pedaços de desejo
observei
ela era magra
mas tinha pontiagudos seios totalmente escancarados à visão
devido ao decote profundo
de seu corpete
hipnotizado por aqueles peitos
dentro da minha confusa cabeça
o mais nefasto estava por vir
ela desceu majestosa no mesmo ponto que eu!
a deixei seguir em frente
observei mais
ela tinha pele bronzeada
cabelos escuros
pernas trancafiadas por um jeans apertado
cintura esquálida e ancas generosas
a segui
como um inválido a rastejar faminto em busca de um mísero farelo de pão
já não entendia nada
ela percorria o caminho que ia à minha casa!
até a última esquina torturante
em que invadiu soberana minha rua!
e seguiu andando
ela sabia que eu estava atrás dela
eu sabia que ela estava gostando de ser degustada
por meus olhos insones   insanos   e   avermelhados
e não é que ela entrou numa casa
uns poucos metros antes da minha?
oh! eu me despedi em sonho da deusa egípcia
não conseguia compreender
como uma barata vítima de inseticida não compreende porque morre
o que ela foi fazer naquela casa?
ela não mora na minha rua!
(isso eu tenho a desgraçada certeza)
quem é ela?
abri furioso o portão abestalhado
o sol se agarrava nas minhas inocentes costas
cheguei ao quarto miserável
mais miserável que o mais pobre dos homens desse planeta
o colchão me chamou
me entreguei às trevas do sono
tinha esquecido dela até o momento
em que comecei a escrever esse poema
(que já rugia nas minhas vísceras desde a alvorada)
e brincando com as poças de lama do meu tédio
nessa pavorosa tarde de abril
lembrei do fato
principalmente daqueles enormes seios
 faca rasgando o ar a sua frente
não sei se a verei novamente
não sei se irei amar novamente
não sei se viverei muito tempo
somente sei
. que enquanto vivo
poemas farei
em homenagem a essas
deusas egípcias
de seios grandes e firmes

a colina

nasci em Joinville
Santa Catarina
(pelo menos é o que está escrito em minha carteira de identidade)
aos seis meses
num verão de fogo
cheguei ao vale do Iguaçu
(pelo menos é o que disseram meus pais)
e bebi a água açucarada do rio
e gostei do seu sabor marrom escuro
e permaneci nesse solo
(depois descobri
embaixo desse chão
havia muito sangue
muitos nativos de cabeça raspada
profetas aos farrapos
foram exterminados pelos militares na Guerra do Contestado)
mas esse não é um poema sobre
política ou história
é um poema que escrevo para mim
(assim mesmo vou compartilhar com quem
possuir insanidade nos olhos)
esse poema é sobre minha vida
sobre os galos de briga do meu pai
sobre os gritos histéricos e amáveis de minha mãe
sobre os dezessete anos e meio que vivi nesta terra
até o adeus
breve adeus
que me levou à outras terras
é breve porque retornei
como um filho pródigo cansado
de comer os frutos podres da terra estrangeira
se contar tudo que se agiganta
dentro da cabeça atormentada de lembranças
esse poema se tornaria um romance
mas não
o poema sempre conta
algo nebuloso
o que posso contar é que
após esmagar flores e comê-las
após viajar de carona com um quilo de maconha até São Tomé das Letras
após ver os espasmos de gozo de muitas putas e algumas virgens
após encontrar o amargo gosto do amor nas esquinas dos mendigos de Curitiba
após dormir nos gramados da faculdade de engenharia
após o diabólico casamento no qual o poeta se tornou ex-poeta
(e a cama o convidava a um sono de décadas)
após tanto negrume surgiu a delicada luz
(rompendo com chicotaços a face adormecida)
voltei
bebi novamente a água de cheiro doce do rio Iguaçu
espanquei as teclas novamente
como os maridos espancam as esposas
isso já faz mais de dez anos
e tudo que passou foi bom
e tudo o que veio depois também foi bom
e tudo que virá será bom
sou poeta
não elogio nem deprecio
a vida
apenas escrevo
com a devoção de uma prostituta barata
me entrego mais do que ela
me entrego por nada
dedico versos à multidão
um velho doente cachorro
uivando à toa
no topo
de
uma
colina
assustado

novamente o poema
das 4 e 10 da manhã
assustado
como um rato cercado num beco sujo
por um gato de garras metálicas
assustado
por ter acordado em prantos
(e eu sequer havia dormido!)
assustado
lembranças laceram minha carne lívida
minha mãe surge
como trovão em meus ouvidos
como relâmpagos diante dos olhos
como raios a rasgar o corpo em fatias
assustado
...fui ao pátio
acendi um cigarro
traguei bem fundo
soltei a espiral de fumaça
a vi se despedindo de mim
indo para o além
assustado
mas por que?
me perguntava
e as lágrimas choravam
até que olhei para o concreto
vi uma fileira de formigas idiotas
fazendo seu trabalho noturno
pra lá e pra cá
esbarrando umas nas outras
achei aquela cena divertida
e reconheci
(no segundo cigarro
 aceso
na bituca do primeiro)
elas são sábias
eu é que sou idiota
despedaçado pela insônia
deitando quilômetros de lágrimas
por causa de minha mãe
não é saudade dela
é saudade do que eu era
quando ela existia
à parte nossas grandiosas batalhas
havia um ninho de aconchego em seus braços
(já flácidos devido à idade)
já cedo ia à sua cama
declamava com o fervor de um profeta
meus poemas
e não fazíamos nada o dia inteiro
apenas conversávamos
sobre a família Gomes
sobre sua vida de solteira
sobre sua infância
sobre sua cidade natal
ela   preocupada com meu futuro
já que não me viu formado
(e jamais me graduei!)
foi embora desse mundo um pouco
frustrada neste aspecto
como uma ave que tenta ensinar
o filhote a voar
e ele não decola
porém decolei
avisei-a que ia ser poeta
por toda a eternidade dos meus dias
antes dela dar
sua última golfada de ar
(a qual presenciei)
e hoje
assustado
gemendo baixinho
um choro mansinho
que é pura idiotice
tenho que proclamar
sua ausência e definir meu lugar em algum lugar
mas continuo
assustado
por mais idiota que seja
ao recordar seu olhar de ternura
sobre mim
todo meu esqueleto se fratura
sei
tenho que catar meus pedaços
e construir um novo homem
um novo homem
dos estragos do passado
refeito
assim morrerei tranquilo
em meu
colchão velho
manchado
de
sangue

quarta-feira, 20 de abril de 2016

a loucura avança teimosa

mesmo murcho
como as leguminosas do quintal
num lamento diante do sólido sol de abril
vem euforia
espancando meu estômago
e das nuvens anêmicas
escorrem rosas
há chuva de flores
sobre minha pele
tensa e ressecada
ouço o ritmo do reggae
vindo do vizinho
danço e canto
esvoaçante
leio os livros
de Gabriel García Marquez
e lanço à página meus versos doidos
fervorosos como a prece mais autêntica
de uma freira açoitada pelos pensamentos do demônio
esses versos vasculham a página
com patas de cavalo
eles correm
logo percebem
que não tem o que dizer
sua própria corrida é seu discurso
minha própria vida é um poema !
assim cancelo a tentativa
pois já disse tudo
a poesia de um poeta
transcende a palavra
é antes sua trajetória
despreocupada e inglória
cada ato seu
é uma sílaba
que revela seu próprio "eu"
as cinzas
do incêndio que ele é
são esses versos jogados na página
um pequeno pedaço
do fogo que lhe rasga
e nunca o mata
sempre o renova
que
na terra ensopada
fazem surgir um cogumelo
um fruto singelo
do seu coração
de demência repleto
mas com percepção
de andarilho esfomeado
que sabe
em qual porta bater
afim
de obter
sua 
migalha
diária

sexta-feira, 15 de abril de 2016

a perseguição

seu olhar
crepuscular
morre pouco a pouco
quando passo
ao seu lado
enfeitiçado
a persigo
por entre pedras mortas
por entre pessoas mortas
por vitrines mortas
por esquinas mortas
tudo morto
( eu mesmo
do pescoço para baixo
morto )
mas o corpo
assim mesmo
se movimenta
obedece minha verdade
imagino um grande vento
levando meu corpo levado
ao seu
você
viva
ativa máquina feminina
em sussurro alto me chamando
abraço a longa avenida
abraço o último poste da longa avenida
a persigo
olho carnívoro
mira
enquadra
fotografa
a observa
(minha visão é microscópica)
vejo anéis hyppies em seus dedos
longos
finos 
ferozes
(minha visão é telescópica)
vejo os seus pelos
dos braços
das pernas
da nuca
eriçados
como torres cravadas na terra
e recobertas por teimoso cimento
ando
acelero 
espero
(você entra numa loja)
finjo estar à toa
(você sai)
com seu olhar
crepuscular
olho
você
não me vê
(como sempre   ninguém me vê)
você atravessa a avenida
eu atravesso
(quase morro
uma moto tenta me esquartejar)
ficaria bem na manchete do jornal:
"ANÔNIMO DESATENTO´É ATROPELADO NO CENTRO
SEM IDENTIFICAÇÃO   DESTINO   COVA RASA"
não!
ainda estou vivo
quero estrangular a solidão
não consigo
a persigo
rápido
como um raio entorpecido de vinho
ensaio um discurso
moça: "quero somente receber uma boa-tarde
suas palavras serão um golpe de carinho
nas faces isoladas (de tudo e de todos)"
talvez acrescente:
moça: "seus olhos são tão belos quanto um crepúsculo vermelho sangue"
não consigo 
ela se vai
como um filho que abandona o pai
mergulho as mãos nos bolsos
as fecho
com todo ódio
agarro
meu 
vazio
sorrio
parado na avenida
satisfação de quem ainda hoje
pode espancar a cabeça em algum
beco sem saída
  .
o maior poeta do século XIX

Baudelaire esfarrapado nas ruas de Paris
como uma abelha tonta no tapete
embriagada de morte
Baudelaire sifilítico   paralítico   demente   e   mudo
um raio de luz agonizante sugando o
maligno néctar das flores que plantou
ele até foi um bom poeta
um bom crítico de arte
um bom teórico da modernidade
até... somente até
como escritor do século XIX
escrevia com a mesma polidez
dos que hoje comem em restaurantes finos
fui comparado a Baudelaire
em um artigo de uma doce universitária
na época em que foi publicado meu
primeiro livro
de esgoto poético
achei muito
agora acho menos
Baudelaire escreveu
Paraísos Artificiais
um erro
tão grande quanto o de uma prostituta
ao entregar seu corpo a quem não lhe paga
Baudelaire não entendia nada sobre drogas
fez um ensaio moralista
pareceu um padre e não um artista
eu usei todas as drogas que estiveram ao meu alcance
um faminto devorando a comida   o prato   o cardápio
( e principalmente a garçonete ! )
sempre um consumo excessivo
algumas por pouco tempo
outras por décadas
e faria tudo novamente infinitas vezes
 claro   isso não é para todos
a poesia não é para todos
a maioria prefere assistir TV
ou jogar bola
ou fazer turismo
poesia e embriaguez dos sentidos
é navio rumo ao naufrágio
e você não quer isso
quer?
melhor a segurança de sua poltrona
da sua posição no time de futebol
de sua viagem de avião
(avião é seguro !)
e nesse último caso
você ainda paga por isso
e fica feliz
e conta para todo mundo que foi ao Caribe
o que significa que você tem muito dinheiro
o que significa também que você é um idiota!
mas você pode dizer que eu
poeta   bêbado   drogado
também sou um idiota
aceito sua observação
mas lhe conto que parei de usar todo
pó   pedra   pílulas   erva   líquidos
entorpecentes em geral
tudo aquilo que é saboroso
como o gosto de uma buceta umidecida e fervorosa
tudo aquilo que Baudelaire
não entendeu
parei de usar
com extrema facilidade
como disse   isso não é para todos
como nem todos tem a ousadia
de mergulhar a língua
numa buceta em brasa e preciosa
é que rugia dentro do meu peito
um grito de ave destemida
com ânsia por precipício 
ânsia por brancas nuvens
(pode ser o céu ou o inferno)
por isso não recomendo   não
é para poucos
e quando se inicia o voo você não sabe
se é um desses poucos
a queda ( já vi muitas )
é veloz
e o chão é extremamente duro
mais que a mais dura das rochas
mas meu voo
durou uns 25 anos
foi uma eternidade de delícias
isso é imoral!
eu sou gostosamente imoral!
quanto a você
a escolha é sua
eu escolhi minha estrada
e dobrei a esquina quando quis
porém se fosse para lhe dar uma pequena dica
eu diria:
"comece desligando a TV
desista do futebol
cancele à viagem ao Caribe
depois   antes do primeiro baseado
leia um bom livro de poemas
não de Baudelaire
ele não foi o maior poeta do século XIX
leia Rimbaud
ele foi"